Desculpem aos que esperavam um texto de estreia mais técnico, explicando qual é a função do ovo numa receita de bolo. Claro que isso é ciência e certamente será abordado aqui futuramente, mas eu, sendo de humanas, não poderia deixar de falar dessa relação tão intrínseca que é a da comida e a da política. Você já deve ter lido por aí que comer é um ato político, e certamente, com alguma curiosidade, já tentou entender o porquê dessa afirmação. Acredito que os últimos acontecimentos, envolvendo a greve dos caminhoneiros, trouxe isso à tona: desabastecimento, mídia em polvorosa, desinformados de todos os tipos.
A verdade é que a alimentação faz parte de nós, inicialmente como fator de sobrevivência, e com a evolução das sociedades, adquirindo status social e cultural. Nossos momentos políticos sempre ditaram nossa relação com a comida. O brasileiro em particular, tem uma relação um tanto traumática com a escassez. Basta se lembrar da era Collor e da hiperinflação. Estar atento às variações do mercado financeiro, que impactavam diretamente ao abastecimento dos supermercados, era primordial para ter comida na mesa. Foi a era da compra do mês, e no início da década de 90, os hipermercados prosperaram em solo nacional.
Veio o Plano Real e trouxe consigo estabilidade para o mercado. Vieram os governos do PT, e suas políticas assistencialistas, que possibilitaram desenvolvimento a uma região abandonada por gestões anteriores. O aumento do poder de compra da população – à parte com as discussões de efetividade ou não das políticas econômicas – permitiu que o brasileiro, pela primeira vez, pudesse sair do arroz com feijão, literalmente. O padrão de consumo alimentício se diversificou. A cultura da gourmetização aflorou. A classe média pôde enviar seus filhos para estudar no exterior, e estes voltaram “viajados”, promovendo inserções e fusões em nossa cultura, gastronomicamente também.
A sociedade se dividiu entre os novos ricos esbanjadores, para quem o desperdício de comida passou a significar status. Por outro lado, uma massa crítica pautada por ecologismos, sedenta por transformação social, promoveu um novo olhar sobre a cultura alimentícia: surge a cultura do orgânico, do natural, do feito em casa. “Veganize-se!”, bradam. Todos os movimentos, frutos de ciclos da cultura e sociedade.
No fim das contas, o que nossa história política mais recente revela, e que não é uma historinha tão bonita de se contar e que comer bem passou de rotina a privilégio de poucos. As ocorrências recentes, que nos fizeram relembrar por uns dias a década de 90, e que devem tornar a acontecer, nos mostram que simplificar é preciso. Simplificar a linguagem, simplificar os preparos, o ego dos cozinheiros e o da classe média e seus pratos refinados postados no Instagram. Não adianta falar de orgânicos e continuar mantendo-os inacessíveis à maior parte da população. Por mais bonitinho que o discurso seja, 15 minutos de prosa com um produtor local revela as mazelas do mercado que não chega a nós. Ou voltaremos à época de arroz e feijão, somente. Talvez algum farináceo enriquecido para complementar.